quinta-feira, 18 de novembro de 2010

ABRAÇOS MALCHEIROSOS MAS SINCEROS

Um dos miudos que lembro com mais carinho chamava-se Pitufo, ou pelo menos era assim que o chamavam. O nome verdadeiro, nunca o soube, mas a alcunha nada tinha a ver com ele. Pitufos no México eram os Estrunfes, uns bonecos azuis que viviam numa aldeia com cogumelos como casas.

O nosso Pitufo era castanho, magro e alto. Castanho da sujidade e magro da fome, mas era um tipo impecável. Ele vivia  com o primeiro grupo com quem trabalhei na rua na Cidade do México, na zona de Indios Verdes, e não sei bem porquê lá simpatizou comigo e ficámos grandes amigos.

Chamava-me Pariente, que literalmente significa "Familia" e tinha o hábito de vir ter comigo dar-me um grande abraço cada vez que eu chegava ao pé deles. É dificil de explicar o fedor que aquele miudo tinha. Muitos dias sem banho, a viver nas caixas de esgoto, a fumar erva e a inalar diluente. Não há descrição possivel.... mas lá vinha ele, com um grande sorriso a gritar pariente, a abraçar-me e a perpetuar o braço sobre os meus ombros, o que acentuava o sofrimento do meu sentido olfactivo.

Muitas vezes fiquei a ouvi-lo contar os problemas que tinha com a Brenda, a sua namorada de longa data, que por acaso era feia como só ela. Os seus dentes pareciam o resultado de um choque de comboios, mas de algum modo eles amavam-se perdidamente e tinham uma relação quase matrimonial.

O mais fantástico acerca do Pitufo é que nunca me pediu nada. Nunca me pediu dinheiro, comida ou qualquer outra coisa material. Era um miudo simples, sem preconceitos e bastante afectuoso. 

Um dia perguntei-lhe qual era o sonho dele. Ele disse-me muito simplesmente que era poder entrar no restaurante em frente á boca de esgoto onde ele dormia, sentar-se e comer....

Um sonho simples de um miudo simples.

Quando comecei a dirigir a instituição estive algum tempo sem ir a Indios Verdes e quando voltei soube que a policia tinha feito uma batida na zona e os miudos tinham fugido dali. Nunca mais soube nada do Pitufo nem da Brenda, mas ele é uma daquelas pessoas que sinto muitas saudades, pelo seu carinho e pela sinceridade daquela amizade.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

NATAL ESPECIAL

Alguns dias após os acontecimentos do meu ultimo post, mais precisamente no dia 23 de Dezembro de 1994, recebi um telefonema da Agencia 57 do Ministério Publico, especializada em menores. 

Como de costume era a voz da Rosario, a assistente social, que me disse "Hola Carlitos, como te va?".... pronto ai vinha coisa, era um pedido de certeza. Mas desta vez nem pensar, tinha só 14 camas, 14 pratos, 14 copos, enfim... 14 de tudo, graças á caridade natalicia da Sra. Maria.

"Quiero que me ayudes con unos ninõs..... eles foram descobertos numa casa de um homem que os recolhia e os mandava mendigar" (Um estilo de Fagin do Oliver Twist) 

A historia destes miudos não era incomum. 3 deles tinham fugido de casa para ir experimentar as emoções da capital. Vinham do estado de Michoacan e francamente não tinham nada de meninos de rua. Os outros quatro eram miudos que tinham saido de casa, provavelmente por maltrato ou falta de condições e que pensavam encontrar na casa do tal homem um lar mais aceitável.

A policia soube da situação, fez um raide e retirou as crianças dessa casa. Até que os conseguissem mandar de volta para as suas familias ou encontrar uma solução mais permanente, teriam que realizar os trâmites legais necessários. Isso levava tempo e o Natal estava á porta....

Ora a Rosário já tinha tentado enviar os miudos para varias instituições, mas estas estavam cheias, sem espaço, etc etc etc. O costume! Por isso e em ultima hipotese estava a ligar á unica casa que nunca recusava ninguém. Mas agora era verdadeiramente impossivel, eu simplesmente não tinha condições.  Ela alegou todos os motivos possiveis e imaginários, e eu todas as desculpas possiveis e imaginárias, até que fiz finca pé e disse que não tinha camas, lençois nem cobertores.

A filha da mãe da Rosário não desarmou. Disse com uma lata de primeira: "Já falei com o estabelecimento prisional e eles dispensam 7 catres, 7 lençois e 14 cobertores. Quando te levar os miudos, levo-te o material" e claro fechou com chave de ouro "As crianças não vão passar o Natal numa agência de policia? Pois não?"

Os miudos chegaram ao fim da tarde, juntamente com uns guardas prisionais que traziam numa carrinha os catres, os lençois e os cobertores que diziam em letras vermelhas "Reclusorio Sur". Nessa noite tivemos que jantar em dois grupos,  porque entre cada um tivemos que lavar pratos, copos e talheres. Só tinhamos material para 14 e não para 21. Esse era o nosso numero.... 21. Tinhamos crescido 50% em poucas horas.

Na manhã seguinte, muito cedo, andava eu pela casa a ver os miudos a dormir na sala, no meu escritório e até na capelinha e a fazer contas á vida, do que teria de fazer para a ceia de Natal esticar para mais 7 putos, que como seria de esperar comem que nem alarvos. Mas lembro-me de esta ser uma imagem reconfortante, vê-los a dormir tranquilamente. Eles verdadeiramente sentiam-se seguros.

Por volta das 8h30/9h00 a campainha tocou, e eu fui á porta ver quem estava a tocar tão cedo no dia 24 de Dezembro. Era uma senhora cuja cara nem me lembro. Perguntou-me se ali era o Lar de Crianças, ao que respondi que sim. Ela disse-me que trazia algumas coisas para nós e se podia descarregar. Expliquei que os miudos estavam ainda a dormir, mas que eu levaria as coisas para dentro.

Ela abriu  o porta bagagens e começou a tirar (do que me lembro) três perus, caixas de doces, batata doce, duas caixas de louça de porcelana, coca-colas, bolos de frutas e uma enorme quantidade de brinquedos e roupa. Tudo novinho em folha. Dito isto agradeceu a oportunidade de poder ajudar e foi-se embora. Eu não queria acreditar! Eu nem tinha tido tempo de pedir nada a ninguém. E de repente ali estava tudo o que precisávamos e ainda mais.

Não me quero alongar. Mas nessa noite a ceia de Natal foi recheada de tudo o que era bom, comeram que nem alarvos, estrearam roupa, tiveram brinquedos novos e muito importante, estivemos todos juntos na mesa a comer em pratos de porcelana.

Até hoje só tenho pena de nunca ter perguntado o nome da senhora, nem a ter convidado a visitar a casa. Pois nunca mais a vi nem soube nada dela, quem era nem de onde tinha vindo. Mas de certeza que sei quem a mandou...

terça-feira, 16 de novembro de 2010

FALSA CARIDADE

Á pouco uma conversa que tive no Facebook, fez-me lembrar de algumas situações que relaciono com o titulo deste post.


Em 1997, na Cidade do México, eu juntamente com alguns empresários e pessoas dedicadas, abrimos a Casa San Francisco, que recolhia naquela altura 14 miudos entre os 8 e os 16 anos. Todos os que puderam colaborar, ajudaram com doações de todo o tipo, pois ao fim e ao cabo uma casa nova precisa de tudo.

Após a abertura com toda a pompa, e passada a euforia das inaugurações, não tardaram os primeiros problemas.
No grupo de doadores e voluntarios, estava uma senhora, filha do fundador de um grupo económico gigantesco, e que é actualmente lider na sua área em practicamente todo o continente americano. Essa senhora tinha na altura 60 e poucos anos e descendente de uma familia espanhola conservadora tinha ideias muito próprias do que seria uma instituição.

Pessoalmente, sempre achei que já era dificil para um jovem estar num lar e longe de uma familia real, pelo que sempre quis que a instituição não tivesse placas na porta ou que a carrinha não tivesse logotipo, por exemplo. No entanto um dos primeiros grandes desacordos foi o facto da tal senhora (vamos chama-la de Maria), ter comprado para todos as crianças e jovens uns fatos de treino com o nome da instituição estampado nas costas e o logotipo no peito. E a intenção de os levar ao supermercado ás compras assim vestidos, ainda mais perto da residência da D. Maria, pareceu-me uma coisa completamente absurda por estar a expor e a tornar-los ainda mais diferentes do que, infelizmente, já eram.



A partir dai as coisas foram piorando. Não aceitei uniformes, não aceitei linhas desenhadas no chão para marcar o sitio por onde podiam andar, não aceitei horas de silêncio absoluto. Enfim, não é dificil perceber que a ruptura deu-se e a D. Maria acabou por ameaçar deixar de ser parte da instituição, e que nem colocaria mais dinheiro na casa se não se fizesse o que ela queria. Como sempre fui muito mau para aceitar ultimatos, e não estava sozinho nesta maneira de pensar, a negociação acabou e a senhora eventualmente deixou de apoiar a obra.

Ainda assim, isso não foi o mais dramático. Alguns dias depois fomos visitados por uma prima da dita senhora que nos disse que era intenção da D. Maria, recolher todo e qualquer objecto que ela tivesse comprado ou doado. É verdade!! E foi assim que mais tarde, no dia 14 de Dezembro de 1997, em vesperas de Natal, que a muito caridosa e religiosa senhora recolheu tudo o que tinha doado, segundo uma lista que cuidadosamente tinha preparado.

Levou camas, colchões, mantas, pratos, copos, lâmpadas, fatos de treino, até as panelas da cozinha foram. Penso que pouco se preocupou onde as crianças iam dormir, comer ou com que se iam tapar. O importante era que o seu orgulho e a sua vontade tinham de vencer.

O mais bonito foi que os seus empregados recolheram as coisas no pátio, porque dentro da casa tudo já tinha sido substituido. É que quando se soube o que a senhora se preparava para fazer, uma onda de solidariedade de muitas pessoas fez-nos chegar até áquela casa, camas novas, mantas novas, fogão novo, frigorifico novo e muitas outras coisas que no inicio nem tinhamos.

Quanto á senhora deverá ter ficado feliz com a sua vingança e deve ter passado mais algum tempo na igreja a pensar-se santa, pura e casta. Já nós passamos um Natal muito especial, que amanhã vos contarei...
Mas sim. Falar é fácil! Agora ser honesto é um pouco mais dificil...


segunda-feira, 25 de outubro de 2010

ALGUMAS MEMÓRIAS ENGRAÇADAS DO PADRE JOSEPH

No dia 12 de Dezembro de 1992, comemoração das Festas de Nossa Senhora de Guadalupe, eram umas cinco da manhã quando fui acordado com bombinhas de carnaval a rebentar debaixo da minha cama. Era o Padre Joseph, o superior geral e co-fundador da congregação que estava a liderar aquela partida e a cantar a plenos pulmões a musica "La Guadalupana". Depois na altura do pequeno almoço, lembro-me de ver o Padre Joe (assim o chamávamos) a atirar umas bombinhas por cima do muro da Missão para o quintal da vizinha. A pobre da Maria deu uns berros com o susto e deu um grande grito "- Questi Pretti sono pazzi!!" ou seja "-Estes Padres são malucos." Assim era ele....

 

Alguns anos mais tarde, já na cidade de Tijuana, no dia 1º de Abril eu e um outro missionário chamado Rick, esgueirámo-nos para o dormitório do grupo dos seminaristas mais avançados para vingar a partida que eles nos tinham pregado nessa manhã, enchemos a borda da sanita com vaselina para os fazer escorregar quando se sentassem, para fazer as suas necessidades. Mal sabiamos que o Padre Joe, teve a necessidade urgente de entrar na primeira casa-de-banho que lhe aparecesse e que tinha mesmo de ser aquela onde a vaselina estava.
Ficámos nessa noite a saber que a partida tinha resultado e que o Superior Geral da Congregação tinha sido a vitima da vaselina, tendo ficado o pobre padre numa posição muito incómoda. Quando ele soube que tinhamos sido nós, aproximou-se deu-me uma "sapa" na cabeça e disse a rir "Essa foi muito boa. Nunca me tinha lembrado de uma assim. Tens uma boa imaginação..."

 


Tenho saudades dele. Descansa em Paz Padre Joe.

FALECEU O PADRE JOSEPH


Já se esperava. Á muito que o Padre Joseph se debatia com uma doença incurável, que o tinha debilitado e por isso não resistiu a um ataque cardiaco á uns dias atrás.
Foi co-fundador, juntamente com a Madre Teresa, da congregação onde fui missionário, e lembro-me dele como um homem alegre, jovial e cheio de força. Muito brincalhão e ao mesmo tempo de uma profundidade impactante.
Foi também o meu primeiro superior na congregação e é com uma enorme tristeza que o vejo partir. Mas também sei que Deus o recebeu no paraiso, da mesma maneira que ele me recebeu quando entrei pela porta da casa de Roma pela primeira vez. Com um grande sorriso e um sonoro BEM-VINDO.

sábado, 23 de outubro de 2010

COMO È POSSIVEL? A HISTÓRIA DO GABRIEL

Á medida que for escrevendo neste blog, vou contar algumas histórias de crianças, jovens e adultos que encontrei por esse mundo fora. Em nenhum caso vou usar o nome verdadeiro, mas acho que a história deve ser contada, nem que seja para que se saiba o que se passa por aí.
Esta primeira é arrepiante, pela veracidade e crueldade da vida de um miudo de treze anos, e garanto-lhes que passou, apesar de parecer digna de um filme.
Ligaram-me da agência 57 do MP da Cidade do México, que era uma das 3 especializadas em assuntos para menores de idade. Como de costume era a Assistente Social Rosário, que me queria pedir para aceitar no lar um miudo de treze anos de nome Gabriel. Que era um assunto muito especial e que me ia enviar a Averiguação Prévia, para eu ter conhecimento do caso e só depois poder tomar a decisão.
Achei estranho porque normalmente a intenção do MP era "vender" rápidamente a história que todos eram crianças maravilhosas, apenas com um pouco de azar.
Mas a Rosário, também me disse que seria um miudo para "perder", ou seja a gíria para uma situação em que o miudo iria ser tansferido de instituição por uma ou duas vezes de modo a protegê-lo e escondê-lo de alguém. Isso significava que se o aceitasse, ele ficaria na "minha" instituição no máximo por um mês, se tanto.
Fiquei realmente curioso, e quando a patrulha me trouxe a averiguação, fiquei parvo com o tamanho e a grossura daquele documento. O que normalmente tinha umas 10/15 paginas, tinha daquela vez umas 60 ou 70.
O Gabriel vivia com os pais e a irmã até á cerca de um ano - da data em que eu lia o documento - quando a mãe e o pai faleceram num acidente de automóvel. As crianças foram então entregues a um tio, que recebeu do tribunal a guarda dos miudos. Os miudos eram realmente giros, louros de olhos claros e sardentos - uma caracteristica que os diferenciava dos mexicanos "normais" que têm um tom de pel mais escura.
Segundo a averiguação do MP, foi nessa altura que o pesadelo começou para o Gabriel. Ao que parece o tio e o seu filho mais velho, pertenciam a um culto, meio estranho de uma mistura de espiritismo/satanismo, nunca percebi bem de que se tratava concretamente. Se era uma tentativa de religião ou só uma maneira de disfarçar as taras dos membros.
Antes do Gabriel ser levado para o primeiro encontro do culto, foi abusado pelo primo para o "preparar". E a partir dessa altura ele passou a ser o centro das taras religiosas desse grupo de gente. O que o Gabriel passou, aos treze anos - e que vou contar aqui - foi vexames sem fim, ser urinado, ser posto na posição de cruz e serem-lhe atiradas fezes, colocarem-lhe imagens da "Santa Morte" em cima do peito (uma coisa que o assustava muito no meio daquela tara toda), e outros abusos que prefiro não descrever, porque até a mim na altura que os estou a relembrar, me deixam algo chocado e perturbado...
Graças a uma vizinha desconfiada e a uma queixa á policia, foi feita a intervenção e os miudos foram imediatamente retirados aos tios.
Depois de ler aquele documento, garanto-lhes que fiquei com frio e a tremer das mãos. Fiquei bastante agitado ou perturbado, não sei bem o termo a utilizar, mas o que é certo é que liguei para a Rosario da Agencia 57 para dizer que aceitava o miudo. Que o trouxesse. Lembro-me de ela me dizer qualquer coisa como "Não estás bem pois não? Eu tambem fiquei assim, até chorei quando estava a ouvir os depoimentos".
Algum tempo depois o transporte do MP chegou e a Rosário e o Gabriel entraram para o meu gabinete. Lembro-me claramente do miudo. Vinha com um fato de treino amarelo, tinha o cabelo curto e encaracolado, a cara cheia de sardas e os olhos constantemente no chão. Tratámos das formalidades e levei-o para o quarto, demos-lhe roupa nova para vestir depois do banho e um lanche. Durante todo este tempo o miudo obedecia a tudo com um aspecto parecido a um zombie e a unica vez que teve uma reacção espontânea foi quando a minha cadela labrador Romy se aproximou. Aí ele fez-lhe festas, agachou-se pos-lhe o braço por cima e foi bem lambido pela Romy.
O Gabriel ficou conosco um pouco mais de um mês. Obedecia cegamente ao que se lhe dizia, encolhia-se quando o abraçavamos, e nunca, nunca se ria ou sorria. Não se misturava com os outros miudos e a unica verdadeira amiga que tinha e com quem passava horas abraçado era a cadela, sem realmente brincar ou ter interacção, muitas vezes encontrava-o a ver desenhos animados com a Romy a servir de almofada.
Foi então transferido para uma instituição no interior do estado de Puebla, e acabei por não saber mais dele. Passou pela casa como muitos outros, mas vou lembrar-me sempre da expressão sem emoção e do olhar vazio daquele miudo de apenas 13 anos que foi vitima da maldade absoluta.
Não pensem, ao ler isto, que o Codinha variou e agora escreve dramas. A verdade é que este miudo foi um caso real, e que o incrivel é que isto passa por aí com mais crianças.
Quem quiser investigue: Vão ao Google e procurem Santa Muerte. Há tambem uns livros interessantes chamados Edge of evil e Satanic Panic que embora com visões diferentes nos dão algum insight sobre este tipo de crenças aberrantes.
Oxalá o Gabriel esteja bem.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

2 MINI-HISTÓRIAS

AQUELE CANO FRIO: Certo dia quando eu trabalhava como Educador de Rua na Cidade do Mexico, a tentar convencer os miudos a sair das ruas e entrarem na instituição onde trabalhava - Casa Alianza - cheguei a uma boca de esgoto, que dava entrada ao espaço onde o grupo de crianças vivia e dormia. Era perto da estação de metro de Indios Verdes, que vivia "la banda" que eu ia visitar e convidar para vir comer qualquer coisa e jogar á bola. Aproximei-me da boca, ajoelhei-me e gritei lá para baixo se alguém vinha para cima. Nesse momento, senti um frio na nuca e alguém a gritar comigo a dizer-me para me levantar devagarinho. Claro que percebi que tinha um cano de uma arma apontada a mim e por isso fiz o que me disseram, e quando me virei de "mãozinhas" no ar percebi que era um policia que me estava a apontar uma metralhadora e a pedir-me documentos. Tirei do meu colete, com todo o vagar, o meu cartão de "operador de paz". Quando o policia me identificou, pediu desculpa mas tinha pensado que eu era traficante e estava a tentar vender droga aos miudos. Posto isto afastou-se para seguir com o seu trabalho e eu fui rapidamente a casa mudar de boxers....
ENGANOS LINGUíSTICOS: Foi no Natal de 1993. Eu estava nessa altura em Roma a estudar no seminário, mas também tinha como tarefa realizar trabalhos caritativos. Um deles era visitar o Hospital Spalanzanni, dedicado unicamente a doenças infecto-contagiosas, nomeadamente SIDA. O meu trabalho, era muito simples, chegar ao hospital e visitar os doentes, que muitas vezes eram abandonados pela familia e pelos "amigos", pois a SIDA era vista como uma praga. Ora eu chegava, conversava com as pessoas, gracejava muito e tentava ser o mais apalhaçado possivel, para tentar que os doentes se divertissem um pouco com os meus disparates. Era realmente um trabalho que eu gostava e porque via que as pessoas se distraiam e apreciavam as visitas. Para a ultima visita antes do dia 25 de Dezembro, fui encargado de escrever em varios cartões de natal FELIZ NATAL E BOM ANO NOVO, ou em italiano FELICE NATALE E BUON ANNO NUOVO. Ou pelo menos era assim que se deveria escrever, porque eu "aportuguesei" a mensagem e coloquei apenas um N na palavra ANO, que escrita dessa maneira em Italia significa.... Anûs.
Nesse Natal os doentes do Spalanzanni receberam cartões de natal a desejarem UM FELIZ NATAL E UM BOM RABO NOVO..... (vêm a ironia da situação???).
Não houve escândalo, só que fui gozado por doentes, médicos e enfermeiros...

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

PROVIDÊNCIA DIVINA OU COINCIDÊNCIA

Como co-fundador e responsável pelo lar para crianças de rua Casa San Francisco, uma das minhas tarefas era a de pagar contas, comprar comida, dar dinheiro aos miudos para a escola e tudo o que tinha a ver com administrar uma casa com 15 pessoas a viver permanentemente.


Num certo mês, não lembro em que altura foi, depois de pagar os ordenados da cozinheira, da educadora e a renda de casa, sobrava-me uns sonantes $5000 pesos mexicanos. Bem! para que tenham uma ideia de quanto valia..... Para alimentar os 15 durante quatro semanas, eu gastava +- $3500 pesos, de electricidade por mês uns $1500, de gás uns $1200 e de água uns $1000. Juntem a isso as passagens dos autocarros para a escola que seriam mais uns $1000 "pesitos".


Faça-se as contas. Faltavam-me para aí mais uns $3000 a $4000 pesos nesse mês. Que fazer? Seguindo o que já tinha feito algumas vezes. Compro a comida, que é o mais importante. Se me cortarem a luz? Olha! penduro-me nos cabos. Se cortarem a água? Bem! ponho um tubo e religo. O gás? Nisso não se pode aldrabar. Passo um cheque e peço encarecidamente ao senhor que só deposite quando eu lhe ligar. O mais importante é que todos comam....


Fui então ao Sam's Club, um hiper mercado, e juntamente com 3 ou 4 miudos, enchi generosamente 4 carros, com comida para aquele pequeno pelotão de tragões. Leite, arroz, carne, feijão, massa e tudo o que era necessário para alimentar 14 adolescentes.


Na fila da caixa, ao mesmo tempo que estava na conversa com os putos, não podia deixar de sentir um aperto no estômago por saber que me ia faltar um monte de dinheiro para o resto das contas.


Um senhor que estava á minha frente, pergunta-me se éramos de algum lar ou instituição. Respondi-lhe que sim, que viviamos na zona e que sim, aquela comida era para encher a barriga aos miudos. Muito educamente esse senhor, que tinha acabado de conhecer, pergunta-me:


"Importa-se que eu pague a sua conta? É que eu gostava de ajudar."


Acho que gaguejei um sim e também uma grande quantidade de obrigados. E mediante o "favor" que fiz ao senhor, ele pagou a comida toda e eu voltei para casa com tudo o que era necessário e a carteira ainda recheada.


Pensei cá para mim "OK Deus, já percebi a mensagem". Na manhã seguinte fui logo pagar a luz e a água, e também liguei para o gás para que viessem encher o tanque. Enquanto contava o que me sobrava lembrei-me vezes sem conta da frase da Santa:


"Confia sempre na providência divina"


CONHECI UMA SANTA



Foi a minha maior sorte ou benção. Depende como quiserem chamar. Conheci a Madre Teresa, a mulher mais bondosa, com o maior coração e com o sorriso mais lindo que vi até hoje.

Posso viver 100 anos que vou ter sempre na minha memória aquele momento em que depois de ter entrado nos Missionários da Caridade, eu a encontrei em Roma e ela me agarrou as mãos e disse "Estou muito feliz que aqui estejas. Eu não te tinha dito que ias ser missionário? (...)"


Não quero ser lamechas, mas até neste momento quase 18 anos depois, ainda sinto uma grande emoção de me lembrar desse dia - 11 de Novembro de 1992 - Não era a primeira vez que a via, nem que falava com ela, mas aqueles olhos verdes e aquele sorriso tão bonito que tinha quando me disse aquelas palavras são a recordação mais preciosa e intensa que tenho na minha vida.


Anos mais tarde, quando a encontrei em S. Francisco e lhe disse que ia deixar a ordem para trabalhar com meninos da rua, ela disse-me:

"Não fiques triste, nem te arrependas. Tenta ouvir sempre a voz de Deus no silêncio do teu coração, e segue o que ele te diz. (...) Confia sempre na providência divina"



Alguns meses mais tarde ligaram-me de madrugada. Foi o Jorge Landa, já na cidade do México, que me disse " A Madre Teresa voltou para casa." - 05 de Setembro de 1997.


Conheci uma Santa....

ANEDOTA

Houve alguém que me contou esta anedota. Acho que até hoje foi a história que mais influência teve no modo como encaro muitos dos acontecimentos da minha vida.

Havia um homem com muita fé e extremamente religioso. Não faltava a uma missa, uma peregrinação, nem sequer o rezar do terço. Ele estava sempre presente! Então certo dia teve algumas dificuldades e foi á igreja pedir ajuda a Deus. Rezou fervorosamente, e pediu a intervenção divina para ganhar a lotaria e poder resolver os problemas que tinha.
Nas orações lembrou Deus que ele era fiel, que era honesto e que nunca quebrava os mandamentos. Prometeu também que a partir daquele momento e durante toda a semana ia passar uma hora por dia ajoelhado a rezar por este favor de Deus e até prometeu que com o dinheiro que ganhasse ia dar á igreja e ajudar os mais pobres.
A semana passou e o homem não ganhou a lotaria. Zangado pôs-se frente á cruz e disse:

"- Como foste capaz de me abandonar? Eu nunca te deixei. Sempre te adorei e quando mais precisei, tu deixaste-me sózinho."

Nesse momento uma voz forte e poderosa ecoou vinda da cruz...

"- Filho eu sei que me amas. E eu quero ajudar-te, mas pelo menos compra o bilhete da lotaria..."


MORAL DA HISTÓRIA- Tem fé e acredita, mas arregaça as mangas e faz pela vida...