segunda-feira, 25 de outubro de 2010

ALGUMAS MEMÓRIAS ENGRAÇADAS DO PADRE JOSEPH

No dia 12 de Dezembro de 1992, comemoração das Festas de Nossa Senhora de Guadalupe, eram umas cinco da manhã quando fui acordado com bombinhas de carnaval a rebentar debaixo da minha cama. Era o Padre Joseph, o superior geral e co-fundador da congregação que estava a liderar aquela partida e a cantar a plenos pulmões a musica "La Guadalupana". Depois na altura do pequeno almoço, lembro-me de ver o Padre Joe (assim o chamávamos) a atirar umas bombinhas por cima do muro da Missão para o quintal da vizinha. A pobre da Maria deu uns berros com o susto e deu um grande grito "- Questi Pretti sono pazzi!!" ou seja "-Estes Padres são malucos." Assim era ele....

 

Alguns anos mais tarde, já na cidade de Tijuana, no dia 1º de Abril eu e um outro missionário chamado Rick, esgueirámo-nos para o dormitório do grupo dos seminaristas mais avançados para vingar a partida que eles nos tinham pregado nessa manhã, enchemos a borda da sanita com vaselina para os fazer escorregar quando se sentassem, para fazer as suas necessidades. Mal sabiamos que o Padre Joe, teve a necessidade urgente de entrar na primeira casa-de-banho que lhe aparecesse e que tinha mesmo de ser aquela onde a vaselina estava.
Ficámos nessa noite a saber que a partida tinha resultado e que o Superior Geral da Congregação tinha sido a vitima da vaselina, tendo ficado o pobre padre numa posição muito incómoda. Quando ele soube que tinhamos sido nós, aproximou-se deu-me uma "sapa" na cabeça e disse a rir "Essa foi muito boa. Nunca me tinha lembrado de uma assim. Tens uma boa imaginação..."

 


Tenho saudades dele. Descansa em Paz Padre Joe.

FALECEU O PADRE JOSEPH


Já se esperava. Á muito que o Padre Joseph se debatia com uma doença incurável, que o tinha debilitado e por isso não resistiu a um ataque cardiaco á uns dias atrás.
Foi co-fundador, juntamente com a Madre Teresa, da congregação onde fui missionário, e lembro-me dele como um homem alegre, jovial e cheio de força. Muito brincalhão e ao mesmo tempo de uma profundidade impactante.
Foi também o meu primeiro superior na congregação e é com uma enorme tristeza que o vejo partir. Mas também sei que Deus o recebeu no paraiso, da mesma maneira que ele me recebeu quando entrei pela porta da casa de Roma pela primeira vez. Com um grande sorriso e um sonoro BEM-VINDO.

sábado, 23 de outubro de 2010

COMO È POSSIVEL? A HISTÓRIA DO GABRIEL

Á medida que for escrevendo neste blog, vou contar algumas histórias de crianças, jovens e adultos que encontrei por esse mundo fora. Em nenhum caso vou usar o nome verdadeiro, mas acho que a história deve ser contada, nem que seja para que se saiba o que se passa por aí.
Esta primeira é arrepiante, pela veracidade e crueldade da vida de um miudo de treze anos, e garanto-lhes que passou, apesar de parecer digna de um filme.
Ligaram-me da agência 57 do MP da Cidade do México, que era uma das 3 especializadas em assuntos para menores de idade. Como de costume era a Assistente Social Rosário, que me queria pedir para aceitar no lar um miudo de treze anos de nome Gabriel. Que era um assunto muito especial e que me ia enviar a Averiguação Prévia, para eu ter conhecimento do caso e só depois poder tomar a decisão.
Achei estranho porque normalmente a intenção do MP era "vender" rápidamente a história que todos eram crianças maravilhosas, apenas com um pouco de azar.
Mas a Rosário, também me disse que seria um miudo para "perder", ou seja a gíria para uma situação em que o miudo iria ser tansferido de instituição por uma ou duas vezes de modo a protegê-lo e escondê-lo de alguém. Isso significava que se o aceitasse, ele ficaria na "minha" instituição no máximo por um mês, se tanto.
Fiquei realmente curioso, e quando a patrulha me trouxe a averiguação, fiquei parvo com o tamanho e a grossura daquele documento. O que normalmente tinha umas 10/15 paginas, tinha daquela vez umas 60 ou 70.
O Gabriel vivia com os pais e a irmã até á cerca de um ano - da data em que eu lia o documento - quando a mãe e o pai faleceram num acidente de automóvel. As crianças foram então entregues a um tio, que recebeu do tribunal a guarda dos miudos. Os miudos eram realmente giros, louros de olhos claros e sardentos - uma caracteristica que os diferenciava dos mexicanos "normais" que têm um tom de pel mais escura.
Segundo a averiguação do MP, foi nessa altura que o pesadelo começou para o Gabriel. Ao que parece o tio e o seu filho mais velho, pertenciam a um culto, meio estranho de uma mistura de espiritismo/satanismo, nunca percebi bem de que se tratava concretamente. Se era uma tentativa de religião ou só uma maneira de disfarçar as taras dos membros.
Antes do Gabriel ser levado para o primeiro encontro do culto, foi abusado pelo primo para o "preparar". E a partir dessa altura ele passou a ser o centro das taras religiosas desse grupo de gente. O que o Gabriel passou, aos treze anos - e que vou contar aqui - foi vexames sem fim, ser urinado, ser posto na posição de cruz e serem-lhe atiradas fezes, colocarem-lhe imagens da "Santa Morte" em cima do peito (uma coisa que o assustava muito no meio daquela tara toda), e outros abusos que prefiro não descrever, porque até a mim na altura que os estou a relembrar, me deixam algo chocado e perturbado...
Graças a uma vizinha desconfiada e a uma queixa á policia, foi feita a intervenção e os miudos foram imediatamente retirados aos tios.
Depois de ler aquele documento, garanto-lhes que fiquei com frio e a tremer das mãos. Fiquei bastante agitado ou perturbado, não sei bem o termo a utilizar, mas o que é certo é que liguei para a Rosario da Agencia 57 para dizer que aceitava o miudo. Que o trouxesse. Lembro-me de ela me dizer qualquer coisa como "Não estás bem pois não? Eu tambem fiquei assim, até chorei quando estava a ouvir os depoimentos".
Algum tempo depois o transporte do MP chegou e a Rosário e o Gabriel entraram para o meu gabinete. Lembro-me claramente do miudo. Vinha com um fato de treino amarelo, tinha o cabelo curto e encaracolado, a cara cheia de sardas e os olhos constantemente no chão. Tratámos das formalidades e levei-o para o quarto, demos-lhe roupa nova para vestir depois do banho e um lanche. Durante todo este tempo o miudo obedecia a tudo com um aspecto parecido a um zombie e a unica vez que teve uma reacção espontânea foi quando a minha cadela labrador Romy se aproximou. Aí ele fez-lhe festas, agachou-se pos-lhe o braço por cima e foi bem lambido pela Romy.
O Gabriel ficou conosco um pouco mais de um mês. Obedecia cegamente ao que se lhe dizia, encolhia-se quando o abraçavamos, e nunca, nunca se ria ou sorria. Não se misturava com os outros miudos e a unica verdadeira amiga que tinha e com quem passava horas abraçado era a cadela, sem realmente brincar ou ter interacção, muitas vezes encontrava-o a ver desenhos animados com a Romy a servir de almofada.
Foi então transferido para uma instituição no interior do estado de Puebla, e acabei por não saber mais dele. Passou pela casa como muitos outros, mas vou lembrar-me sempre da expressão sem emoção e do olhar vazio daquele miudo de apenas 13 anos que foi vitima da maldade absoluta.
Não pensem, ao ler isto, que o Codinha variou e agora escreve dramas. A verdade é que este miudo foi um caso real, e que o incrivel é que isto passa por aí com mais crianças.
Quem quiser investigue: Vão ao Google e procurem Santa Muerte. Há tambem uns livros interessantes chamados Edge of evil e Satanic Panic que embora com visões diferentes nos dão algum insight sobre este tipo de crenças aberrantes.
Oxalá o Gabriel esteja bem.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

2 MINI-HISTÓRIAS

AQUELE CANO FRIO: Certo dia quando eu trabalhava como Educador de Rua na Cidade do Mexico, a tentar convencer os miudos a sair das ruas e entrarem na instituição onde trabalhava - Casa Alianza - cheguei a uma boca de esgoto, que dava entrada ao espaço onde o grupo de crianças vivia e dormia. Era perto da estação de metro de Indios Verdes, que vivia "la banda" que eu ia visitar e convidar para vir comer qualquer coisa e jogar á bola. Aproximei-me da boca, ajoelhei-me e gritei lá para baixo se alguém vinha para cima. Nesse momento, senti um frio na nuca e alguém a gritar comigo a dizer-me para me levantar devagarinho. Claro que percebi que tinha um cano de uma arma apontada a mim e por isso fiz o que me disseram, e quando me virei de "mãozinhas" no ar percebi que era um policia que me estava a apontar uma metralhadora e a pedir-me documentos. Tirei do meu colete, com todo o vagar, o meu cartão de "operador de paz". Quando o policia me identificou, pediu desculpa mas tinha pensado que eu era traficante e estava a tentar vender droga aos miudos. Posto isto afastou-se para seguir com o seu trabalho e eu fui rapidamente a casa mudar de boxers....
ENGANOS LINGUíSTICOS: Foi no Natal de 1993. Eu estava nessa altura em Roma a estudar no seminário, mas também tinha como tarefa realizar trabalhos caritativos. Um deles era visitar o Hospital Spalanzanni, dedicado unicamente a doenças infecto-contagiosas, nomeadamente SIDA. O meu trabalho, era muito simples, chegar ao hospital e visitar os doentes, que muitas vezes eram abandonados pela familia e pelos "amigos", pois a SIDA era vista como uma praga. Ora eu chegava, conversava com as pessoas, gracejava muito e tentava ser o mais apalhaçado possivel, para tentar que os doentes se divertissem um pouco com os meus disparates. Era realmente um trabalho que eu gostava e porque via que as pessoas se distraiam e apreciavam as visitas. Para a ultima visita antes do dia 25 de Dezembro, fui encargado de escrever em varios cartões de natal FELIZ NATAL E BOM ANO NOVO, ou em italiano FELICE NATALE E BUON ANNO NUOVO. Ou pelo menos era assim que se deveria escrever, porque eu "aportuguesei" a mensagem e coloquei apenas um N na palavra ANO, que escrita dessa maneira em Italia significa.... Anûs.
Nesse Natal os doentes do Spalanzanni receberam cartões de natal a desejarem UM FELIZ NATAL E UM BOM RABO NOVO..... (vêm a ironia da situação???).
Não houve escândalo, só que fui gozado por doentes, médicos e enfermeiros...

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

PROVIDÊNCIA DIVINA OU COINCIDÊNCIA

Como co-fundador e responsável pelo lar para crianças de rua Casa San Francisco, uma das minhas tarefas era a de pagar contas, comprar comida, dar dinheiro aos miudos para a escola e tudo o que tinha a ver com administrar uma casa com 15 pessoas a viver permanentemente.


Num certo mês, não lembro em que altura foi, depois de pagar os ordenados da cozinheira, da educadora e a renda de casa, sobrava-me uns sonantes $5000 pesos mexicanos. Bem! para que tenham uma ideia de quanto valia..... Para alimentar os 15 durante quatro semanas, eu gastava +- $3500 pesos, de electricidade por mês uns $1500, de gás uns $1200 e de água uns $1000. Juntem a isso as passagens dos autocarros para a escola que seriam mais uns $1000 "pesitos".


Faça-se as contas. Faltavam-me para aí mais uns $3000 a $4000 pesos nesse mês. Que fazer? Seguindo o que já tinha feito algumas vezes. Compro a comida, que é o mais importante. Se me cortarem a luz? Olha! penduro-me nos cabos. Se cortarem a água? Bem! ponho um tubo e religo. O gás? Nisso não se pode aldrabar. Passo um cheque e peço encarecidamente ao senhor que só deposite quando eu lhe ligar. O mais importante é que todos comam....


Fui então ao Sam's Club, um hiper mercado, e juntamente com 3 ou 4 miudos, enchi generosamente 4 carros, com comida para aquele pequeno pelotão de tragões. Leite, arroz, carne, feijão, massa e tudo o que era necessário para alimentar 14 adolescentes.


Na fila da caixa, ao mesmo tempo que estava na conversa com os putos, não podia deixar de sentir um aperto no estômago por saber que me ia faltar um monte de dinheiro para o resto das contas.


Um senhor que estava á minha frente, pergunta-me se éramos de algum lar ou instituição. Respondi-lhe que sim, que viviamos na zona e que sim, aquela comida era para encher a barriga aos miudos. Muito educamente esse senhor, que tinha acabado de conhecer, pergunta-me:


"Importa-se que eu pague a sua conta? É que eu gostava de ajudar."


Acho que gaguejei um sim e também uma grande quantidade de obrigados. E mediante o "favor" que fiz ao senhor, ele pagou a comida toda e eu voltei para casa com tudo o que era necessário e a carteira ainda recheada.


Pensei cá para mim "OK Deus, já percebi a mensagem". Na manhã seguinte fui logo pagar a luz e a água, e também liguei para o gás para que viessem encher o tanque. Enquanto contava o que me sobrava lembrei-me vezes sem conta da frase da Santa:


"Confia sempre na providência divina"


CONHECI UMA SANTA



Foi a minha maior sorte ou benção. Depende como quiserem chamar. Conheci a Madre Teresa, a mulher mais bondosa, com o maior coração e com o sorriso mais lindo que vi até hoje.

Posso viver 100 anos que vou ter sempre na minha memória aquele momento em que depois de ter entrado nos Missionários da Caridade, eu a encontrei em Roma e ela me agarrou as mãos e disse "Estou muito feliz que aqui estejas. Eu não te tinha dito que ias ser missionário? (...)"


Não quero ser lamechas, mas até neste momento quase 18 anos depois, ainda sinto uma grande emoção de me lembrar desse dia - 11 de Novembro de 1992 - Não era a primeira vez que a via, nem que falava com ela, mas aqueles olhos verdes e aquele sorriso tão bonito que tinha quando me disse aquelas palavras são a recordação mais preciosa e intensa que tenho na minha vida.


Anos mais tarde, quando a encontrei em S. Francisco e lhe disse que ia deixar a ordem para trabalhar com meninos da rua, ela disse-me:

"Não fiques triste, nem te arrependas. Tenta ouvir sempre a voz de Deus no silêncio do teu coração, e segue o que ele te diz. (...) Confia sempre na providência divina"



Alguns meses mais tarde ligaram-me de madrugada. Foi o Jorge Landa, já na cidade do México, que me disse " A Madre Teresa voltou para casa." - 05 de Setembro de 1997.


Conheci uma Santa....

ANEDOTA

Houve alguém que me contou esta anedota. Acho que até hoje foi a história que mais influência teve no modo como encaro muitos dos acontecimentos da minha vida.

Havia um homem com muita fé e extremamente religioso. Não faltava a uma missa, uma peregrinação, nem sequer o rezar do terço. Ele estava sempre presente! Então certo dia teve algumas dificuldades e foi á igreja pedir ajuda a Deus. Rezou fervorosamente, e pediu a intervenção divina para ganhar a lotaria e poder resolver os problemas que tinha.
Nas orações lembrou Deus que ele era fiel, que era honesto e que nunca quebrava os mandamentos. Prometeu também que a partir daquele momento e durante toda a semana ia passar uma hora por dia ajoelhado a rezar por este favor de Deus e até prometeu que com o dinheiro que ganhasse ia dar á igreja e ajudar os mais pobres.
A semana passou e o homem não ganhou a lotaria. Zangado pôs-se frente á cruz e disse:

"- Como foste capaz de me abandonar? Eu nunca te deixei. Sempre te adorei e quando mais precisei, tu deixaste-me sózinho."

Nesse momento uma voz forte e poderosa ecoou vinda da cruz...

"- Filho eu sei que me amas. E eu quero ajudar-te, mas pelo menos compra o bilhete da lotaria..."


MORAL DA HISTÓRIA- Tem fé e acredita, mas arregaça as mangas e faz pela vida...