terça-feira, 16 de novembro de 2010

FALSA CARIDADE

Á pouco uma conversa que tive no Facebook, fez-me lembrar de algumas situações que relaciono com o titulo deste post.


Em 1997, na Cidade do México, eu juntamente com alguns empresários e pessoas dedicadas, abrimos a Casa San Francisco, que recolhia naquela altura 14 miudos entre os 8 e os 16 anos. Todos os que puderam colaborar, ajudaram com doações de todo o tipo, pois ao fim e ao cabo uma casa nova precisa de tudo.

Após a abertura com toda a pompa, e passada a euforia das inaugurações, não tardaram os primeiros problemas.
No grupo de doadores e voluntarios, estava uma senhora, filha do fundador de um grupo económico gigantesco, e que é actualmente lider na sua área em practicamente todo o continente americano. Essa senhora tinha na altura 60 e poucos anos e descendente de uma familia espanhola conservadora tinha ideias muito próprias do que seria uma instituição.

Pessoalmente, sempre achei que já era dificil para um jovem estar num lar e longe de uma familia real, pelo que sempre quis que a instituição não tivesse placas na porta ou que a carrinha não tivesse logotipo, por exemplo. No entanto um dos primeiros grandes desacordos foi o facto da tal senhora (vamos chama-la de Maria), ter comprado para todos as crianças e jovens uns fatos de treino com o nome da instituição estampado nas costas e o logotipo no peito. E a intenção de os levar ao supermercado ás compras assim vestidos, ainda mais perto da residência da D. Maria, pareceu-me uma coisa completamente absurda por estar a expor e a tornar-los ainda mais diferentes do que, infelizmente, já eram.



A partir dai as coisas foram piorando. Não aceitei uniformes, não aceitei linhas desenhadas no chão para marcar o sitio por onde podiam andar, não aceitei horas de silêncio absoluto. Enfim, não é dificil perceber que a ruptura deu-se e a D. Maria acabou por ameaçar deixar de ser parte da instituição, e que nem colocaria mais dinheiro na casa se não se fizesse o que ela queria. Como sempre fui muito mau para aceitar ultimatos, e não estava sozinho nesta maneira de pensar, a negociação acabou e a senhora eventualmente deixou de apoiar a obra.

Ainda assim, isso não foi o mais dramático. Alguns dias depois fomos visitados por uma prima da dita senhora que nos disse que era intenção da D. Maria, recolher todo e qualquer objecto que ela tivesse comprado ou doado. É verdade!! E foi assim que mais tarde, no dia 14 de Dezembro de 1997, em vesperas de Natal, que a muito caridosa e religiosa senhora recolheu tudo o que tinha doado, segundo uma lista que cuidadosamente tinha preparado.

Levou camas, colchões, mantas, pratos, copos, lâmpadas, fatos de treino, até as panelas da cozinha foram. Penso que pouco se preocupou onde as crianças iam dormir, comer ou com que se iam tapar. O importante era que o seu orgulho e a sua vontade tinham de vencer.

O mais bonito foi que os seus empregados recolheram as coisas no pátio, porque dentro da casa tudo já tinha sido substituido. É que quando se soube o que a senhora se preparava para fazer, uma onda de solidariedade de muitas pessoas fez-nos chegar até áquela casa, camas novas, mantas novas, fogão novo, frigorifico novo e muitas outras coisas que no inicio nem tinhamos.

Quanto á senhora deverá ter ficado feliz com a sua vingança e deve ter passado mais algum tempo na igreja a pensar-se santa, pura e casta. Já nós passamos um Natal muito especial, que amanhã vos contarei...
Mas sim. Falar é fácil! Agora ser honesto é um pouco mais dificil...


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