quarta-feira, 17 de novembro de 2010

NATAL ESPECIAL

Alguns dias após os acontecimentos do meu ultimo post, mais precisamente no dia 23 de Dezembro de 1994, recebi um telefonema da Agencia 57 do Ministério Publico, especializada em menores. 

Como de costume era a voz da Rosario, a assistente social, que me disse "Hola Carlitos, como te va?".... pronto ai vinha coisa, era um pedido de certeza. Mas desta vez nem pensar, tinha só 14 camas, 14 pratos, 14 copos, enfim... 14 de tudo, graças á caridade natalicia da Sra. Maria.

"Quiero que me ayudes con unos ninõs..... eles foram descobertos numa casa de um homem que os recolhia e os mandava mendigar" (Um estilo de Fagin do Oliver Twist) 

A historia destes miudos não era incomum. 3 deles tinham fugido de casa para ir experimentar as emoções da capital. Vinham do estado de Michoacan e francamente não tinham nada de meninos de rua. Os outros quatro eram miudos que tinham saido de casa, provavelmente por maltrato ou falta de condições e que pensavam encontrar na casa do tal homem um lar mais aceitável.

A policia soube da situação, fez um raide e retirou as crianças dessa casa. Até que os conseguissem mandar de volta para as suas familias ou encontrar uma solução mais permanente, teriam que realizar os trâmites legais necessários. Isso levava tempo e o Natal estava á porta....

Ora a Rosário já tinha tentado enviar os miudos para varias instituições, mas estas estavam cheias, sem espaço, etc etc etc. O costume! Por isso e em ultima hipotese estava a ligar á unica casa que nunca recusava ninguém. Mas agora era verdadeiramente impossivel, eu simplesmente não tinha condições.  Ela alegou todos os motivos possiveis e imaginários, e eu todas as desculpas possiveis e imaginárias, até que fiz finca pé e disse que não tinha camas, lençois nem cobertores.

A filha da mãe da Rosário não desarmou. Disse com uma lata de primeira: "Já falei com o estabelecimento prisional e eles dispensam 7 catres, 7 lençois e 14 cobertores. Quando te levar os miudos, levo-te o material" e claro fechou com chave de ouro "As crianças não vão passar o Natal numa agência de policia? Pois não?"

Os miudos chegaram ao fim da tarde, juntamente com uns guardas prisionais que traziam numa carrinha os catres, os lençois e os cobertores que diziam em letras vermelhas "Reclusorio Sur". Nessa noite tivemos que jantar em dois grupos,  porque entre cada um tivemos que lavar pratos, copos e talheres. Só tinhamos material para 14 e não para 21. Esse era o nosso numero.... 21. Tinhamos crescido 50% em poucas horas.

Na manhã seguinte, muito cedo, andava eu pela casa a ver os miudos a dormir na sala, no meu escritório e até na capelinha e a fazer contas á vida, do que teria de fazer para a ceia de Natal esticar para mais 7 putos, que como seria de esperar comem que nem alarvos. Mas lembro-me de esta ser uma imagem reconfortante, vê-los a dormir tranquilamente. Eles verdadeiramente sentiam-se seguros.

Por volta das 8h30/9h00 a campainha tocou, e eu fui á porta ver quem estava a tocar tão cedo no dia 24 de Dezembro. Era uma senhora cuja cara nem me lembro. Perguntou-me se ali era o Lar de Crianças, ao que respondi que sim. Ela disse-me que trazia algumas coisas para nós e se podia descarregar. Expliquei que os miudos estavam ainda a dormir, mas que eu levaria as coisas para dentro.

Ela abriu  o porta bagagens e começou a tirar (do que me lembro) três perus, caixas de doces, batata doce, duas caixas de louça de porcelana, coca-colas, bolos de frutas e uma enorme quantidade de brinquedos e roupa. Tudo novinho em folha. Dito isto agradeceu a oportunidade de poder ajudar e foi-se embora. Eu não queria acreditar! Eu nem tinha tido tempo de pedir nada a ninguém. E de repente ali estava tudo o que precisávamos e ainda mais.

Não me quero alongar. Mas nessa noite a ceia de Natal foi recheada de tudo o que era bom, comeram que nem alarvos, estrearam roupa, tiveram brinquedos novos e muito importante, estivemos todos juntos na mesa a comer em pratos de porcelana.

Até hoje só tenho pena de nunca ter perguntado o nome da senhora, nem a ter convidado a visitar a casa. Pois nunca mais a vi nem soube nada dela, quem era nem de onde tinha vindo. Mas de certeza que sei quem a mandou...

2 comentários:

  1. é de histórias como esta que me fazem arrepiar, isto sim posso dizer, que deus tem mão nisto, quanto mais não seja, de o pôr no caminho destas crianças

    ResponderEliminar
  2. Mais uma vez o número 7!!! O BEM aqui bem maior...

    ResponderEliminar